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Tim Bernardes apresenta "Mil Coisas Invisíveis" no Trianon

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O músico brasileiro Tim Bernardes apresentou na quarta-feira o segundo disco a solo "Mil Coisas Invisíveis" (2022) no Trianon, em Paris. Tim Bernardes é autor, compositor, interprete e produtor, fundou o trio "O Terno" em 2012 com quem gravou quatro álbuns antes de se lançar a solo. É hoje símbolo de uma nova geração que transformou o tropicalismo, tal como o conhecemos há mais de 60 anos, numa fusão com a música indie.

Músico brasileiro Tim Bernardes na RFI a 6 de Fevereiro de 2024.
Músico brasileiro Tim Bernardes na RFI a 6 de Fevereiro de 2024. © rfi/Lígia Anjos
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RFI: Por que motivo sentiu a necessidade de renovar a linhagem tropicalista para tropicalia-indie?

Tim Bernardes: Eu acho que, embora não seja algo pré-determinado, que eu me propus a fazer. Primeiro fui fazendo, depois a gente foi entendendo o que era, os elementos. Acho que vem de, naturalmente, ter crescido ouvindo a música brasileira dos anos 60 e 70. Gira muito em torno do tropicalismo e ter sido começado com O Terno, que é uma banda que tem muita influência d'Os mutantes... desse tipo de abertura para misturar o que existe de influência no mundo, engolir isso e colocar de volta de uma maneira brasileira e mais caótica e curtir com isso assim que foi algo que aconteceu no Tropicalismo, acho que acaba acontecendo naturalmente também hoje em dia, de ouvir muita música dos anos 60 e 70 ser influenciado de coisas brasileiras e não brasileiras, mas tentar se perguntar o que é a própria geração, essa geração que foi revisitar as coisas e que é uma geração que também está ouvindo a canção indie contemporânea. De alguma forma, é uma ponte entre essas duas coisas, justamente por estar situado entre essas duas, esses dois pólos como ouvinte e tentar entender o que que eu gostaria de ouvir como ouvinte e tentar fazer esse tipo de música.

É um tropicalismo contemporâneo e foi uma forma de abrir uma nova porta para a música da sua geração?

Eu não sei dizer. É uma coisa muito que parte, na verdade, de uma coisa muito mais simples, que é de vontade de fazer canções que eu gostasse. Sou um sujeito que gosto muito dessa música, tanto de hoje em dia quanto dessa música brasileira dos anos 60 e acho que acaba saindo uma mistura que pode habitar aí, esse terreno entre o tropicalismo e o indie. Indie é um termo, já que pode querer dizer muitas coisas diferentes para muitas pessoas.

O que é que quer dizer?

Pois é, não sei. Assim, para mim, quando eu digo indie, não estou dizendo o indie como uma estética musical, exactamente como o indie rock, essa coisa mais que veio de The Strokes e tudo mais. Quando eu digo indie é a canção independente no sentido de músicos criando a própria linguagem e chegando no próprio público através da internet, quase como se eu estivesse dizendo música autoral contemporânea, canção autoral contemporânea e que tem uma série de exemplos hoje em dia. Assim, do Fleet Foxes ao Mac Demarco, Tame Impala, tudo isso acho que entra nessa geração que pode ser chamada de indie.

É um dos artistas brasileiros mais aclamados do momento. Esse sucesso vem daí, dessa criação nova, diferente, autêntica?

Não sei direito. Tem uma coisa de trazer a tradição da música popular brasileira dos anos 60 e 70, que teve uma época muito áurea, que vem desde a bossa nova, Tropicalismo, Clube da Esquina, de alguma forma resgatar coisas que existiam ali, que pararam de existir a partir dos anos 80, pararam de ser feitas, com um olhar contemporâneo para os temas de o que é ser um jovem hoje, no século XXI, vem algo no jeito de cantar, uma coisa nos arranjos, de fazer arranjos de orquestra. Uma coisa que teve muito nessa tradição da música brasileira e que estava um pouco menos em uso, Eu vejo no meu público lá, um público que, embora jovem, é muito ligado também a essa música, que foi muito forte e que marcou a identidade da música brasileira.

Tocou com Tom Zé, Gal Costa e outros músicos fundadores do movimento tropicalia como o Jards Macalé. Como é que se criam cruzamentos de linguagens entre os fundadores do tropicalismo?

Isso foi uma sorte por ir fazendo essa música naturalmente, com a influência desses artistas brasileiros. Em algum momento começaram a fazer a ponte. O primeiro foi o Tom Zé, fui convidado para compor uma canção com ele, porque a gente ia tocar com O Terno, a minha banda. Depois a Gal gravou uma canção minha, a Maria Bethânia também. Eu estava nesse meio de caminho entre o indie e a chamada MPB. Isso foi bom porque pude transitar nas duas coisas sem exactamente ser nada assim, sabe?

É um acaso?

Sim, sem querer querendo, como a gente diria no Brasil.

Qual o legado deste diálogo entre gerações? Estamos a ver nos nossos ecrãs este vídeo que gravou com a Gal...

Tem uma coisa que é justamente o que a gente está falando, de ver que é uma geração ainda muito activa. Essa geração dos 70, o Caetano lançando discos, a Gal, até falecer recentemente, também estava muito activa, gravando compositores novos. Maria Bethânia também, o Gil também.

Músicos com 80 anos que dançam em palco como se tivessem 20.

Tem uma vitalidade assim que é incrível e é legal ver o crossover das duas gerações. Às vezes você vê o artista mais jovem um pouco mais no estilo do que o artista mais velho está fazendo. Às vezes, o contrário dá para trazer o artista mais velho para alguma experimentação sonora da nossa turma. Eu acho que é uma manifestação concreta desse elo. Uma coisa é eu ser influenciado pela Gal e isso aparecer de alguma forma na minha música. Outra coisa, quando realmente tem o facto consumado de você fazer a coisa junto.

O que é que se sente nesse momento?

Tem um certo surrealismo que quase que não cai a ficha na hora. Você não se dá conta direito assim, mas depois fica pensando nossa, que loucura! Lembro da primeira vez que eu ouvi a Gal cantando a minha música porque ela colocou uma voz depois. Porque a gente não colocou juntos no estúdio. É uma emoção, eu fico emocionado tentando ligar os pontos. Nossa, é a mesma voz que eu ouço desde que eu tenho 14 anos e tudo, sabe?

Também compôs para a Maria Bethânia, a música "Prudência".

Essa canção é uma espécie de uma canção num formato meio de samba antigo. Eu gosto muito de ouvir compositores do samba dos anos 50 e tem um formato de canção assim, que lembra um standard de alguma coisa.

É um bolero...

Ela gravou como um bolero. Eu compus mais como um samba canção e ela gravou como um bolero. Quando ela me pediu canções, eu mandei essa e mais uma. Temos em comum isso de gostar do Lupicínio Rodrigues, gostar dessa canção quase de cabaré assim, uma canção sofrida desses boleros antigos, desse clima.

Que projectos tem para futuro?

Com essa turnê desse disco eu fui mais para muitas cidades fora do Brasil que eu não tinha ido ainda. Los Angeles é uma cidade que eu gostei muito por ter uma cena muito viva, muitos desses compositores, muitos artistas numa mesma cidade. Então eu tenho um plano de passar um tempo lá, porque O Terno vai tocar lá aberto para compor com outras pessoas. Eu tenho um processo de compor muito sozinho e eu estou pensando nisso, antes de ir para um próximo disco solitário, explorar um pouco, criar com outras pessoas, ter um tempo ainda antes de entrar num processo de disco para poder, quem sabe, me surpreender, mudar meu plano, gravar de outras formas. Então acho que vai ser um ano para zerar os ponteiros desses quase dois anos de turnê, para entender o que eu quero fazer, como que pode ser o caminho de um trabalho novo.

Cresceu no meio musical, o seu pai Maurício Pereira músico e compositor paulistano. Isso ajudou-o a aprender instrumentos a ser o multi-instrumentalista que é hoje. Ajudou-o a escrever música tão cedo?

Comecei a compor com 17 anos.

É cedo.

Sim é cedo, acho que é cedo. Na época eu achava que era tarde, até ficava tentando, não conseguia. A família musical e ter o meu pai ali por causa do meu pai eu ia muito nos shows. Quando eu era adolescente, trabalhei de roadie nos shows e via como era por dentro, o backstage e tudo mais.

Isso ajudou?

Eu acho que sim. Observar a profissão de dentro ou ele tem instrumentos em casa me permitiu explorar vários instrumentos. Ele tinha equipamentos para gravação. Isso foi uma coisa que fez muita diferença para mim. Aprender a gravar a mim mesmo e poder criar ideias no meu quarto. Estava exposto a muitos lados da música ao mesmo tempo, muito livre também. Ele nunca indicou 'faça assim ou faça assado', sabe?

"De perto é tão grande" e não se conseguem ver "as coisas invisíveis"?

Eu acho que por acaso é uma tendência nossa. Não sei se é uma coisa contemporânea, damos zoom in nas coisas e ficamos vendo os detalhes, os problemas, as questões e acaba perdendo a visão do todo que de tempos em tempos é importante que a gente deu zoom out completo e lembre que a parte é parte de um todo.

Começou a carreira em São Paulo, que tem uma tradição musical própria, distinta de outras cidades no Brasil. Qual é a ligação entre o seu trabalho e a música de São Paulo, que surge em muitas das suas musicas. Como é o caso do titulo meus 26: "São Paulo, minha casa, vida me parece com vocês"?

Eu acho que mesmo que hoje eu transite em coisas como o que se chama de MPB ou o que se chama de indie, acho que São Paulo tem uma tradição do rock and roll assim, de vir de uma tradição roqueira. Eu entrei na MPB pela porta do rock. Asim como a Rita Lee, que também é de São Paulo, que é d'Os Mutantes. Então São Paulo tem essa coisa, não é o Rio de Janeiro com praias lindas, não é uma cidade tão bonita, é uma cidade mais cinzenta. Acaba sendo de alguma forma, a cidade mais mental assim, mas que reflecte muito assim, sabe? Está presente assim na minha formação, ainda que eu sinto que o meu caminho, é natural acho que o caminho de qualquer pessoa é ir caminhando para uma universalidade de alguma forma assim, menos regional e mais é mais total de novo chegar num todo.

O que é que sente quando canta para um público que não conhece propriamente a língua portuguesa? O Tim não é só compositor, é cantautor. Tem isso na cabeça quando sobe para cima de um palco, a forma como vai tocar vai comunicar com o público?

Super. Acho que música é comunicação, sim. E era uma coisa que eu tinha curiosidade e me perguntava como que seria tocar para públicos que não falassem português, especialmente depois do "Mil Coisas Invisíveis". Esse disco, inclusive, começou com uma turnê nos Estados Unidos, abrindo para os Fleet Foxes, para um público que não falava português e não conhecia, necessariamente, o meu trabalho. Então é muito diferente do público para o que eu vinha tocando no Brasil. Fiquei surpreso e contente de ver que as pessoas ficavam tocadas com músicas que eram mais emocionais e todas as pessoas se emocionarem. De alguma forma isso se traduz no canto, na forma do canto, na expressão, nas melodias. Tem a minha parte como instrumentista, como cantor, sem dúvida. Para mim, a letra é uma parte central e é a génese das minhas canções, por onde elas começam, assim como elas, o sentido da letra que sugere a música. Eu acho que, de alguma forma, pelo jeito, o sentido está impresso também na melodia. De alguma forma.

É um regresso a Paris. Como é que acontece?

A primeira vez que eu toquei aqui foi com os Fleet Foxes na sala Pleyel. Foi super bonito. Sim, acho que apresentou um público diferente do meu. Um público que talvez não conhecesse música brasileira. Quando eu fiz o primeiro concerto solo aqui foi no Café de la Dance e aí eu senti que tinha muita gente, acho que uma maioria de franceses, mas também muitos brasileiros vieram ver. E é muito legal também ver a reacção assim calorosa do público que está com saudades do Brasil, sabe? Muitos portugueses também.

Continua a ser surpreendido nos concertos?

Sim. Quer dizer, não. Normalmente é o público que é sempre uma surpresa. Às vezes você acha que um público que vai ser mais quente é mais mais frio. Às vezes você acha que vai ser mais frio, é mais quente. Tem uma coisa que é muito legal de as salas são diferentes. No Brasil eu costumo tocar em teatros e tudo. E aqui é a primeira vez que eu vim ainda toquei em casas mistas, que era sentado e de pé. Agora o Trianon vai ser formato teatro.

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