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Vida em França

Lançado o 2° volume das "Memórias em Tempo de Amnésia" de Álvaro Vasconcelos

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Álvaro Vasconcelos, antigo director do Instituto de Estudos de Segurança da União Europeia, cujas análises sobre Relações Internacionais são frequentemente ouvidas nas antenas da RFI acaba no passado domingo 8 de Outubro de lançar aqui em Paris o segundo volume das suas "Memórias em Tempo de Amnésia", poucos meses de depois de ter lançado o primeiro em que relata os primeiros anos de vida em Portugal, Moçambique e África do Sul.

Álvaro Vasconcelos, antigo director do Instituto de Estudos de Segurança da União Europeia, durante o lançamento do segundo volume das suas "Memórias em tempo de amnésia" em Paris, no dia 8 de Outubro de 2023.
Álvaro Vasconcelos, antigo director do Instituto de Estudos de Segurança da União Europeia, durante o lançamento do segundo volume das suas "Memórias em tempo de amnésia" em Paris, no dia 8 de Outubro de 2023. © Facebook
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Intitulado "Exílio sem saudade", o segundo e último volume das "Memórias em Tempo de Amnésia", leva-nos para os finais dos anos 60 e os primórdios da década de 70, primeiro na Bélgica e depois em França, onde o autor recorda a atmosfera que se viveu em Maio de 68 em Paris, a vida dos imigrantes portugueses em França, a luta contra o regime colonialista e fascista de Salazar e, por fim, o regresso a Portugal com o 25 de Abril de 1974.

Em entrevista à RFI, Álvaro Vasconcelos evoca estes anos de revolução e de fervilhar cultural, começando por explicar por que escolheu o título "Exílio sem Saudade".

"Não tinha saudade de um Portugal ditatorial, de um Portugal da miséria. Eu saí muito novo da Régua para ir para África. Em África, eu vivi a brutalidade do colonialismo e, depois, exilei-me por oposição à guerra colonial. Portanto, o Portugal da ditadura não era algo de que sentisse saudades. A segunda razão foi ter compreendido nesses anos de exílio que a saudade era um das componentes do lusotropicalismo em relação aos emigrantes", refere o autor.

Questionado sobre o período da revolta estudantil e operária de Maio de 68 que constitui o ponto fulcral do segundo volume das suas "Memórias em Tempo de Amnésia", Álvaro Vasconcelos considera que foi um "privilégio" o facto de "ter vivido a revolução cultural dos anos 60 (...) para alguém que vinha de África, que era um opositor do regime ditatorial português, viver uma revolução cultural em que os valores que tinha compreendido em África eram essenciais, os Direitos Humanos, o direito à igualdade, liberdade, o direito de palavra, a recusa da violência sobre os estudantes, tudo isto estava no centro dessa revolução".

Durante esse período, o autor refere ter também contactado de perto com a numerosa comunidade portuguesa de França. Então dirigente de um jornal destinado à comunidade portuguesa, "O Salto", ele recorda os momentos passados com os emigrantes, muitos deles homens com poucas habilitações que tinham fugido da miséria e da opressão.

"Quando cheguei a Paris, vindo de Bruxelas, deparei-me com o Portugal da minha infância agora em liberdade, porque muitos homens -sobretudo homens- tinham abandonado Portugal por causa da miséria e vinham com uma consciência muito forte do que tinha sido a sua situação em Portugal que os obrigava a fugir (...) e nessa altura ainda viviam em situação muito precária, nos bairros da lata dos arredores de Paris. Mas viviam em liberdade. Portanto, tínhamos a possibilidade de falar com eles e conversar sobre o que era Portugal, mas eles tinham um enorme medo da política", recorda o estudioso referindo contudo ter observado nos emigrantes portugueses daquela altura uma apetência por convívios, peças de teatro e concertos organizados no seio da comunidade.

Questionado sobre as utopias que guiaram a sua geração, nomeadamente o maoismo, doutrina que seguiu naquela época e sobre a qual fala longamente num capítulo do seu livro, Álvaro Vasconcelos explica ter aderido a essas ideias por não se identificar com o Partido Comunista Português.

"Pessoas como eu e como outros que não se reviam na União Soviética, que não se reviam no Partido Comunista Português porque o PCP estava ligado à União Soviética e, por outro lado, defendia a participação na guerra colonial a que nós nos opúnhamos absolutamente, encontramos no maoismo a alternativa. (...) O maoismo era uma coisa muito distante. Nos anos 60, na China estava a ter lugar a 'Revolução Cultural'. Ao mesmo tempo que estava a haver uma revolução cultural na Europa, estava a haver uma revolução cultural na China, contra a burocracia, contra os professores. Hoje, nós sabemos que isto tudo foi manipulado por Mao Tse Tung e que não correspondia a nenhuma tentativa de pôr em causa a estrutura totalitária dos Estado chinês. Mas não era assim que era percebido na Europa e o maoismo europeu não era exactamente a mesma coisa que o maoismo chinês. Era um maoismo mais libertário. Mas esse movimento tinha outra dimensão que é esta tentação totalitária dos intelectuais, que é a necessidade dos intelectuais e das pessoas em geral de encontrarem uma alternativa para Deus" diz Álvaro Vasconcelos ao considerar que o maoismo chegou a assumir uma dimensão quase religiosa junto de uma franja de activistas e intelectuais daquela altura.

Quando se dá o 25 de Abril de 1974, Álvaro Vasconcelos decide regressar imediatamente a Portugal, depois de mais de 20 anos de ausência do país que deixara ainda criança. Ele conta que a viagem se fez num clima de incerteza sobre a eventualidade de ser preso, já que ele era procurado pela polícia política e tinha poucas informações sobre os contornos daquilo que então era visto apenas como um golpe militar.

"Nós decidimos vir a salto. Eu cheguei na madrugada do dia 1 de Maio a Lisboa. (...) Passamos a fronteira a salto, mas um colega nosso que era "legal", não tinha dificuldade nenhuma, não era exilado, não era perseguido pela polícia, atravessou a fronteira na sua carrinha. Ao apanhar-nos do outro lado da fronteira em Vilar Formoso, ele disse 'cheguei à fronteira, toda a gente gritava 'viva a liberdade' e dava-me um cravo!'. Depois cheguei e foi extraordinário. Cheguei no dia 1 de Maio de 1974, quando o golpe militar se transformou numa revolução popular e depois, sucessivamente, pôs termo à ditadura", recorda.

Com o 25 de Abril abriram-se novas oportunidades, nomeadamente no que tange às modalidades da descolonização, depois de vários anos de guerra. Ainda assim, para alguns, subsistia ainda a ideia de que o império colonial poderia manter-se sob a forma de uma federação.

"O que temos que entender é que, por um lado, a descolonização era inevitável. O exército português já não estava preparado para combater, tinha-se chegado à conclusão que não havia solução militar para a guerra, mas havia sectores do poder português, inclusive do poder militar, como o general Spínola, que pensavam que era possível reconstruir o império em novas fórmulas. Era a ideia de uma federação de Estados. No fundo, isto está muito ligado a uma questão que é fundamental que eu coloco no livro e que se põe desde o 25 de Abril, que é assumirmos de forma plena os crimes coloniais. Isso, os capitães de Abril, os militares que fizeram a revolução, não queriam abrir esse dossier. É fácil perceber porquê, porque eles próprios tinham estado envolvidos na guerra colonial e teriam que se auto-incriminar. Portanto, é um assunto que passou a ser absolutamente tabu, os crimes da guerra colonial, e com ele, de certa forma, o colonialismo. Depois, o segundo aspecto é que o poder que surgiu do 25 de Abril manteve a mesma retórica lusotropicalista do contributo português para a civilização mundial através dos descobrimentos e isso está presente em todo o debate pós-25 de Abril", considera Álvaro Vasconcelos ao recordar a época que veio a seguir à Revolução dos Cravos e que marca também o epílogo do segundo volume das suas "Memórias em Tempo de Amnésia", obra que vai agora ser apresentada também nos próximos dias 18 e 19 de Outubro, respectivamente em Lisboa e no Porto.

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