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Diomaye Faye representa “sede de mudança radical do povo senegalês”

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É a primeira vez que um candidato da oposição vence as eleições presidenciais logo à primeira volta no Senegal. Esta segunda-feira, uma dezena de dias depois de ter sido libertado da prisão, Bassirou Diomaye Faye foi reconhecido como o vencedor, tanto pelo Presidente cessante, Macky Sall, quanto pelo principal adversário, Ahmadou Ba. É “uma surpresa” e “um sismo político” que mostra “uma sede de mudança radical do povo senegalês”, explica o analista político Oumar Dialló.

Presidente eleito do Senegal, Bassirou Diomaye Faye. Conferência de imprensa em Dacar, 25 de Março de 2024.
Presidente eleito do Senegal, Bassirou Diomaye Faye. Conferência de imprensa em Dacar, 25 de Março de 2024. REUTERS - Luc Gnago
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RFI: Qual foi a reacção geral à vitória de Bassirou Diomaye Faye nas presidenciais do Senegal?

Oumar Dialló, professor na Universidade Cheikh Anta Diop de Dacar e analista político: A reacção que temos aqui é uma reacção de surpresa, em primeiro lugar, e, depois também, uma reacção de satisfação porque ultimamente o Senegal atravessou muitas turbulências políticas, muitas manifestações que resultaram em mortos, feridos e prisioneiros políticos. Surpresa porque, na verdade, Bassirou Diomaye Faye e Ousmane Sonko, líder do partido PASTEF, estavam na prisão ainda há três semanas e saíram da prisão quando a campanha já tinha começado.

Como se explica que, dez dias depois de ter saído da prisão, Bassirou Diomaye Faye tenha sido eleito?

Acho que a população senegalesa estava a ver em Bassirou Diomaye Faye e Ousmane Sonko a manifestação de uma injustiça do poder político senegalês. Por isso é que saíram como mártires desta ditadura de Macky Sall e do seu governo e isso criou mais simpatia e mais mobilização e o povo senegalês viu-se na obrigação de acabar com este regime de uma vez e dar também uma lição ao sistema, como eles chamam aqui, que é um antigo sistema de políticos muito velhos. É virar a página completamente a esse sistema.

Fala em “ditadura de Macky Sall", mas logo no dia a seguir à primeira volta das eleições, ele veio dar os parabéns e reconhecer a vitória de Bassirou Diomaye Faye. O Senegal é conhecido como sendo um exemplo de democracia em África. Porque é que fala em ditadura?

Eu uso a palavra ditadura porque é a palavra que aqui é usada pela oposição. Não se esqueça que desde 2021 até hoje se registaram mais de 1.000 prisioneiros políticos, jovens que foram detidos durante as manifestações e também líderes políticos que foram detidos e condenados. Só depois de alguns anos, o governo votou uma lei de amnistia para libertar todos esses presos políticos. Acho que isso não é muito democrático porque o povo senegalês acha isso como sendo uma ditadura porque é a primeira vez que isso acontece aqui no Senegal.

Há quem fale de sismo político. Porquê?

São novíssimos em política porque nunca geriram nenhum serviço. São funcionários dos impostos que entraram em política como muitos jovens estudantes entram na política e logo se viram nessa situação de repressão policial e acabaram na prisão. Da prisão vão para a Presidência da República. Por isso é que se fala aqui de um sismo político.

É a primeira vez que um opositor também chega à vitória logo à primeira volta. O que é que isto representa?

Isso representa uma decisão, uma vontade e uma sede de mudança radical do povo senegalês. Querem realmente fazer uma mudança radical e não deram chance para o regime chegar à segunda volta porque sabem que quando vão para a segunda volta vai haver coligações, negociações e isso pode impedir a ruptura que se deseja. Por isso, votaram logo massivamente para eleger o novo Presidente.

Bassirou Diomaye Faye apresentou-se como uma figura anti-sistema, candidato da ruptura, com uma retórica soberanista, pan-africanista, contra as multinacionais, contra o domínio económico e político que ele considera ser exercido nomeadamente pela antiga potência colonial, a França. Ele também falou na saída do franco CFA. Que consequências é que isto poderá ter a nível interno e depois a nível internacional?

Esta vontade é uma vontade popular, por isso é que eles falam de sair do franco CFA, de rever as relações entre o Senegal e a França. Isso é um discurso, entre aspas, populista, mas na verdade não acreditamos nisso. Eles aproveitaram esta linha de comunicação para poderem angariar mais simpatizantes, mas, na verdade, não é uma linha que eles vão poder pôr em prática.

Está a dizer que as promessas de campanha eram só promessas e que não vão ser executadas?

Não são todas as promessas, mas esta promessa do franco CFA e de rever as relações económicas com a antiga potência colonial são estratégias para angariar mais simpatizantes. Mas há outras promessas sobre o custo da vida, a luta contra a corrupção e tantas outras. A educação, a universidade e tudo o mais são coisas que eles vão poder, na verdade, trazer mudanças fortes, sobretudo a luta contra a corrupção.

Bassirou Diomaye Faye também prometeu renegociar contratos de mineração, de gás e de petróleo, celebrados com empresas estrangeiras. Isso é para concretizar?

Acho que isso pode começar, mas não vai ser logo uma coisa que pode dar resultado. As negociações vão levar talvez um ano, dois anos, até talvez todo o mandato, mas eles vão manifestar esta vontade de renegociar. Aquilo que for negociado não vai ser de um dia para o outro desqualificado e tornar-se num sistema de instabilidade porque o povo senegalês precisa deste petróleo, deste gás, portanto, é melhor ir logo na exploração e ganhar aquilo que se pode ganhar e com o tempo tentar renegociar e ver se o “win win” pode ser melhor.

O escrutínio foi muito seguido com muita atenção no estrangeiro também. O Senegal é considerado como um dos países mais estáveis da África Ocidental. Dacar mantém relações fortes com o Ocidente, enquanto a Rússia reforça as posições à volta. Este equilíbrio de forças vai manter-se ou o facto de Bassirou Diomaye Faye ter tido uma retórica mais pan-africanista e menos ligada à antiga potência colonial pode mudar alguma coisa a nível geoestratégico?

Geoestrategicamente vai pôr mais pressão sobre as antigas colónias, sobretudo França. Eu penso que Bassirou Diomaye Faye e o poder que se vai instalar daqui a algumas semanas vão tentar partir desta ideia de que na sub-região há uma política anti-francesa e que o Senegal é o último “rempart” [muralha, ndr]. Portanto, se não houver negociações sinceras e rever tudo o que é negociações económicas, contratos, eles vão pôr a pressão para dizer à França que podemos ir ao lado de países como o Mali, Burkina Faso e Níger. Mas não acredito que a Rússia possa ter muita influência sobre o Senegal. O Senegal é um país muito mais perto do mundo ocidental do que da política russa, particularmente.

Qual será o papel de Ousmane Sonko?

O lugar de Ousmane Sonko vai estar perto mesmo do Presidente porque é a cabeça pensadora deste projecto. Não vejo a oportunidade que Ousmane Sonko ficasse de fora porque ficando de fora vai criar mais problemas para Bassirou Diomaye Faye. Eu penso que, naquilo que se pode prever, talvez possa ser chefe de Governo, primeiro-ministro, para poder equilibrar o poder e o regime entre um Presidente - que chegou enquanto número 2 e depois o número 1 para dirigir o governo. Acho que pode ser um compromisso que pode criar estabilidade no seio do partido que ganhou as eleições.

Mesmo tendo estado preso e tendo tido várias acusações por parte da Justiça?

Sim, mesmo isso porque a lei da amnistia passou por aí e com o novo Governo já se fala de reconciliação, de pacificação e de apaziguamento do espaço político e social. Acho que são assuntos que vão ser postos de lado para ver o interesse da estabilidade e da coesão social. Isso vai ser primordial. Por isso, muitas acusações e muitas condenações vão poder ser esquecidas em nome da reconciliação.

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