Acesso ao principal conteúdo
Moçambique

Moçambique: "este recenseamento é caracterizado por excesso de inscrição de 'eleitores-fantasmas'"

Em Moçambique, terminou no domingo o recenseamento eleitoral que decorria desde 15 de Março, no âmbito dos preparativos para as eleições gerais de 9 de Outubro. Entretanto, a partir de amanhã e durante 15 dias decorre o recenseamento eleitoral no distrito de Quissanga, em Cabo Delgado, no extremo norte, onde o processo não se realizou nas mesmas condições que no resto do país devido a questões de segurança.

Eleições Autárquicas Moçambique 2023 (Foto de arquivo)
Eleições Autárquicas Moçambique 2023 (Foto de arquivo) © LUSA - ANDRÉ CATUEIRA
Publicidade

Tal como no ano passado, aquando das autárquicas, organizações da sociedade civil e partidos de oposição denunciaram irregularidades, designadamente o recenseamento de menores ou de 'eleitores-fantasma'. Lázaro Mabunda, editor do boletim sobre as eleições no CIP, Centro de Integridade Pública, confirma que foram observadas algumas anomalias.

"Houve incidentes iguais às que aqui ocorreram no ano passado, como por exemplo, a priorização de eleitores, inscrição de crianças e a inscrição de eleitores inexistentes. E se formos olhar para algumas províncias como Inhambane, os dados mostram que há quase 100.000 'eleitores-fantasmas', pessoas que não existem e isso vai ter alguma implicação na definição dos mandatos. Por exemplo, vamos continuar a ter Gaza com mandatos muito elevados, mas sem o número de eleitores que justifica tantos mandatos. Ainda não temos os dados, mas as informações que tivemos é que em Gaza continuam a registar eleitores que não existem. E Inhambane poderá subir um pouco também o número de mandatos. E isso vai se reflectir na redução dos mandatos dos círculos eleitorais potencialmente dominados pela oposição, como Nampula, Zambézia e Sofala", começa por referir o analista.

Relativamente ao caso específico de Cabo Delgado, onde situações de insegurança impediram a realização do recenseamento eleitoral no distrito de Quissanga ao mesmo tempo que o resto do país, Lázaro Mabunda constata que a deslocação massiva de populações para áreas consideradas mais seguras teve um impacto nas características do registo eleitoral naquela região, nomeadamente em termos de concentração de eleitores em certos pontos bem específicos.

"Em Cabo Delgado, o recenseamento decorreu. Só não se realizou, por exemplo, na zona de Quissanga onde começa justamente amanhã. Terão 15 dias para recensear. Mas também é um número muito reduzido porque é um distrito praticamente despovoado. Neste momento, a concentração populacional está mais na própria vila do Quissanga, mas também grande parte da população saiu da vila. Está deslocada noutros sítios. Cabo Delgado é uma zona problemática por causa desta questão do conflito, é verdade. Mas em Cabo Delgado os números cresceram por causa dos deslocados", constata o activista.

Contudo, o aumento substancial do número de eleitores noutras regiões de Moçambique já é menos compreensível na óptica de Lázaro Mabunda. "Se olharmos para outras províncias, isso já não se justifica. Não é possível. As previsões do Instituto Nacional de Estatística falharam em todos os distritos de Inhambane, ou seja, Inhambane já é, em todos os distritos, acima de 100% de eleitores. Eu acho que deve ser o que vai acontecer em Gaza, mas se olharmos para Niassa, os números estão dentro daquelas previsões. Ainda não temos acesso a alguns outros distritos, mas o cenário é esse. Então significa que, em termos reais, este recenseamento pode ser caracterizado por excesso de inscrição de 'eleitores-fantasmas'", sublinha o analista.

Perante as acusações de irregularidades no processo de recenseamento, a Comissão Nacional de Eleições apela à calma e refere estar a analisar as denúncias. Porém, ainda está muito presente a recordação dos incidentes registados no ano passado aquando das autárquicas marcadas por suspeitas de fraudes massivas em vários pontos do país. Apesar de o contexto hoje ser parecido com o período pré-eleitoral vivenciado no ano passado, Lázaro Mabunda considera que é prematuro fazer prognósticos. 

"Eu acho que é prematuro avançar qualquer possível cenário por uma razão muito simples: eu acho que qualquer explosão irá depender da qualidade do candidato da oposição e também do candidato da Frelimo. No ano passado houve explosão porque a oposição teve bons candidatos nas eleições autárquicas e isso se reflectiu na corrida para as urnas, sobretudo da população jovem que foi votar massivamente na oposição e quando descobriu que 'olha o seu voto, não funcionou porque os órgãos de gestão eleitoral estiveram ao serviço de um partido', isso revoltou as populações, revoltou os eleitores, sobretudo jovens, que eram eles que faziam as manifestações. Então, eu acho que é difícil fazer um prognóstico antecipado sobre o que vai acontecer" diz Lázaro Mabunda.

Mas quanto à atitude a ser adoptada pelos órgãos de gestão eleitoral perante eventuais irregularidades, este responsável do CIP mostra-se pouco optimista "porque os órgãos de gestão eleitoral são órgãos politizados no sentido de que todos os cargos de relevo e de decisão foram praticamente indicados pelo partido Frelimo e o partido Frelimo tem conseguido nomear uma lista dos seus membros para ocupar os cargos de decisão na mesa de voto, como presidente, vice-presidente, secretário e quarto escrutinador. Geralmente o presidente é uma figura-chave no processo eleitoral, sobretudo para a manipulação dos processos. Tem lá a polícia que faz o seu trabalho também para a manipulação desse processo. Os directores do Secretariado Técnica de Gestão Eleitoral vêm da Frelimo, os chefes de Departamento de Operações eleitorais, são figuras-chave. A composição da Comissão Nacional de Eleições, das Comissões distritais e provinciais também são entidades politizadas. Os presidentes, aparentemente vêm da sociedade civil, mas não vêm da sociedade civil. São indicados, cooptados pela Frelimo. Então, não se vê como esses órgãos podem proceder de forma diferente num contexto como está configurado".

No âmbito deste recenseamento eleitoral, os órgãos eleitorais prevêem inscrever, no total, mais de 8 milhões de eleitores que se vão juntar aos restantes 7 milhões recenseados para as autárquicas de 2023.

Entretanto, a inscrição dos partidos políticos, coligações e grupos de cidadãos eleitores candidatos para as eleições gerais arrancou no passado dia 22 de Abril e finda no dia 7 de Maio. Até ao momento, um pouco mais de uma dezena de formações já formalizou a sua candidatura junto dos órgãos competentes, nomeadamente a Renamo e o MDM, principais partidos de oposição, a Frelimo prevendo divulgar o nome do seu candidato até ao final desta semana.

NewsletterReceba a newsletter diária RFI: noticiários, reportagens, entrevistas, análises, perfis, emissões, programas.

Acompanhe toda a actualidade internacional fazendo download da aplicação RFI

Partilhar :
Página não encontrada

O conteúdo ao qual pretende aceder não existe ou já não está disponível.